(Ou a saga de uma frutinha)
Por Pedro Pracchia
De quibes de soja a literatura, música, cabelos e películas (dvds na verdade, exagerei na poesia), o “suco” obtido do liquidificador uberlandense Jambolada reflete a opinião da vocalista do Filomedusa quando diz se sentir num país europeu em Uberlândia.“Eu me sinto na Itália brasileira”. O diálogo entre as vertentes artísticas é estabelecido de maneira natural, num ambiente intrinsecamente propício a elas.
Por dois dias, o festival foi organizado no Acrópole, galpão com grande área externa onde esfihas e quibes vegans eram vendidos junto a sucos naturais. Roupas, tatuagens, o disputado cabeleireiro e os cds ficavam no galpão de trás, próximo ao cinema, onde os filmes que contavam a história da cidade não eram atrapalhados pela música. Era passível, se cinéfilo, entrar ali e esquecer do resto do festival enquanto se assistia um dos curtas metragens. No último dia, as apresentações voltaram a origem quando, cercado de pequenas frutas roxas confundidas em algumas partes do país com azeitonas e malvistas em outras por sujar demais as calçadas de roxo, o espírito do acampamento 98 foi resgatado.
Enquanto as artes ainda lutam pelo desaparecimento de suas divisões nos outros festivais, deviam pleitear ser um organismo, assim como são em Uberlândia. Essa poderia ser a síntese do intuito do coletivo Goma, um “organismo” que organiza o festival. Goma, um estado de matéria nem tão sólida nem tão liquida, é uma substância sem forma definida, que se molda de acordo com o espaço e as forças que nela atuam, vide a goma de mascar ou mesmo a goma arábica. E foi com esse intuito do nome que, ao juntar alunos de diversos cursos da Universidade Federal de Uberlândia em prol de um bem cultural comum, foi germinado nos jambolões o mais acadêmico dos festivais brasileiros.
O Festival
As sextas feiras a noite na Federal de Uberlândia eram regadas a vinho e violões nos bancos embaixo dos jambolões, entre os blocos H e I, até que o reitor resolveu proibir essas “manifestações culturais” dentro do campus. Munidos de barracas, violões e percurssões, uma “malucada” disposta ocupou esse espaço por 15 dias, no que ficou conhecido como acampamento 98.
Quando uma maça caiu na cabeça de Isaac Newton, o físico inglês escreveu a Lei da Gravidade Universal e marcou seu nome na física moderna. Dessa vez, uma chuva de jambolões ideológicos perturbou o sono dos que estavam nas barracas, e produto do acampamento e de toda essa experiência coletiva, não só as barracas ficaram arroxeadas e a posição do reitor foi revista, como germinou bandeiras que desencadearam no Festival Jambolada.
A primeira bandeira foi a busca pelo espaço do som autoral, que já existia ali, dentro da UFU, nas costas de bandas seminais como o Azul de Cavalcante, Santa Manca, Boi Tatá, Tulani e o Pau de Bosta, com a presença de Enzo Banzo e Danislau Também, na época no curso de direito. Em 99, com o programa Escombro na rádio universitária começa a dar vazão a essa produção e é ponto de partida para um segundo patamar de pensamento quanto cenário: começar a pensar na produção do som. O projeto Arte na Praça passa a acontecer todo domingo, gratuitamente, depois da mudança da diretoria de cultura da faculdade.
"Festival Jambolão não cabia, soa meio bobo”. Enzo Banzo
Na Bienal de Arte da Uni no Rio de Janeiro, em 2001, a única cidade com duas bandas selecionadas era representada por Boi Tatá e Pau de Bosta. A recepção dos dois trabalhos e o feedback do público fortalecem uma autoestima por parte dos integrantes. Na volta, Tales do Boi Tatá assumi junto com Alessandro (parceiro de ciências sociais, baladas e idéias ) a produção do Pau de Bosta, que em 2003 muda o nome para Porcas Borboletas. No mesmo ano, Alessandro deixa a produção do Porcas Borboletas e passa a produzir a banda de hardcore Dead Smurfs, hoje do cast da Fora do Eixo Discos.
Quando o Porcas Borboletas consegue aprovar a gravação do primeiro disco, no primeiro ano da lei municipal de incentivo a cultura, Alessandro retoma com Tales o projeto Jambolada apresentado em 2001 a Gabriel Munhoz, Pró Reitor de Extensão e Cultura. Mas o foco agora, em vez de mostra de artes integradas, era um festival de música independente.
O primeiro festival foi realizado em 2005. A verba de 13 mil reais trouxe 10 bandas divididas em dois dias no Sesc da cidade, com entrada gratuita.
Com as atenções voltadas a cidade de 620 mil habitantes do triângulo mineiro, o diálogo com as organizações centrooestianas Espaço Cubo e Monstro Discos estreita ao ponto do Jambolada (mas se não é uma chuva, seria um doce de Jambolões?) entrar para a Abrafin com apenas uma edição. O que as pessoas responsáveis por representar a entidade encontraram foi uma galera disposta a trabalhar dentro dos princípios que julgavam necessários para a criação da associação. Meses depois, seria fechado o estatuto da Associação Brasileira de Festivais Independentes, e o segundo artigo diria (e ainda diz) que o festival só pode fazer parte depois de três edições realizadas em anos consecutivos.
O inconsciente coletivo, numa bem livre interpretação dos conceitos de Carl Jung, pode ser definido como a árvore que segura todos os jambolões (indivíduos), cada jambolão terá sua própria experiência que o tornará único e formará seu incosciente pessoal (um vira doce, outro espatifa na calçada, outro dá idéia pra nome de festival, etc..). Mas existiriam arquétipos presentes no inconsciente de todos eles que o fariam, sobre o mesmo estimulo, chegar a mesma conclusão (algo como no fundo somos todos da mesma árvore...)
A identificação entre Pablo Capilé (idealizador do Espaço Cubo) e Tales foi além de apenas dois organizadores de festivais. Geograficamente longe do centro midiático do país São Paulo – Rio de Janeiro (numa época em que a republica do café com leite já completa muitos anos de sumiço...), a necessidade comum ao pensamento dos dois era aglutinar a ebulição cultural dos pólos que não eram pauta da mídia de massas, alternativa aos efeitos Claudia Leite e Nx Zero (como estrutura de mídia, veja, não há juízo de valor aqui). No bloco 3N da Ufu, um bate papo esboça o que viria a ser o Fora do Eixo. Depois do Jambolada, o Cubo segue para o Varadouro, no Acre, Demosul, em Londrina... o Fora do Eixo se oficializa junto com a Abrafin no final de 2005 em Goiânia, mas essa é outra história.
Assim, o segundo festival Jambolada acontece amparado na fé que tinha nessas estruturas, ainda engatinhando. Sem patrocínios, o festival consegue trazer 22 bandas (uma internacional) baseado nessa troca de experiências e no intercambio de bandas com outros coletivos.
Blog porcas borboletas, 2006:
“Quem já comeu jambolão sabe que ele deixa, por um bom tempo, um azul cor de noite na língua. Não sai com água nem com álcool.”
Acreditar na continuidade dessas estruturas (e no poder oculto do jambolão) e organizar o festival de 2006 contra a maré dos princípios lógicos trás bons frutos em 2007: com projeto aprovado na esfera pública pela lei de incentivo municipal e na esfera privada por um projeto da Natura criado especificamente para o estado mineiro, o festival chega ao orçamento de 160 mil reais. As prévias em Belo Horizonte mancham de roxo todo o estado mineiro: o nome do que poderia ser um doce agora é a vitrine da música mineira. Nesse ponto, o Jambolada passa de um festival de cidade do interior de minas gerais com nome de fruta a um festival a nível nacional com nome de fruta.
Com os patrocínios mantidos, o 4º festival trás dois palcos no mesmo Acrópole onde foi realizado em 2007. Mas o ultimo dia retorna a UFU a fim de se encerrar um ciclo de dez anos. A curadoria do festival consegue administrar o patamar de diversidade alcançado da forma que sugere o liquidificador que dá identidade visual ao festival: enquanto nos dois primeiros dias as hélices picotaram os jambolões com muito frenesi, na tarde tranqüila e dançante do domingo foi dia de tomar um suco, pegar os violões e voltar para as barracas.
Ossos do ofício
As entrevistas que foram base para essa matéria foram gravadas num brainstorm multimidiatico que contou com Jovem Palerosi e Felipe Silva, do Independência ou Marte, e Tássio Lopes, da Webtv Goma. Além da participação dos entrevistados Pablo Capilé, Daniel Zen, Tales Lopes, Enzo Banzo e Alessandro. Hoje vai ao ar o programa especial do Independência ou Marte sobre o Jambolada, as 22 horas, com transmissão ao vivo em www.radio.ufscar.br/.
Agradecimentos especiais aos acolhedores Grazi, Enzo Banzo e o pequeno brilhante Zé.
2 comentários:
arrepiei c essa matéria
levantamento histórico lindo
mil parabéns
quero ser igual a voê quando eu crescer!
arrasou jornalista tagarelo!
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