terça-feira, 16 de setembro de 2008

A cara pra bater

(achei muito bom e tive q postar)

+ São Paulo, Projeto CICAS, 14.09.2008. Por Carlos Remontti.


Todo mundo sabe o quanto a periferia, além de passar o maior perrengue com transporte, educação, médico, etc, tem um lance ainda mais foda, que é a falta de espaços pra comunidade ter acesso à diversão e ao entretenimento.

E é uma experiência muito louca quando você vai pra esses lugares levar o seu trampo. Seja música, grafite, literatura, enfim, qualquer coisa encontra ali uma receptividade que você não vê nos “grandes centros”, saca?

Aí que tocar lá no Parque Edu Chaves, no CICAS, e de novo sob a batuta do Sinfonia de Cães, foi mais uma vez uma coisa que vai marcar a gente. Encontrar gente que você nunca vai ver num show de rock por aqui, ver a cara de feliz dos caras quando você foi lá e só levou alguns livros pra biblioteca do lugar. Ver uns moleques pilhado com a aparelhagem, um outro que, sozinho, lá no canto dele, sacou o violão e começou a dedilhar uma moda, de sorriso tímido e contando que tá aprendendo e tal... Enfim, é foda. É uma realidade que você sabe que existe, mas só sentindo na pele pra se ligar qual é.

E os cães, junto com uns brothers lá da área, acharam esse pico abandonado. Que era um centro comunitário e que foi parando e o lugar ficou largado. Aí que esses caras tão lá revitalizando o lugar. Pintaram, carpiram, puxaram luz, água, montaram uma biblioteca, todo fim de semana tem oficina cultural, cinema, grafite, e por aí vai.

Definitivamente, não é pra qualquer um. Só quem pensa pra frente, que não teme a trêta, que toma porrada e levanta pronto pra outra, e que fica mais forte dia após dia, só esse tipo de gente que pode fazer a coisa funcionar. E ainda sem pedir mérito por nada.

Talvez você nunca tenha ido a um lugar igual ao que a gente foi nesse fim de semana. Ou talvez tenha até ido e achado legal. E só. Mas o lance é que não era mais um show do La Carne. O que pegava ali era ir na área dos caras e dizer mais ou menos assim: “Olha brother, vamos curtir aqui e você vai ver que isso pode ser bacana, ok?”. Algo assim. Aí, se tinha banda, legal. Mas, se não tivesse, ia rolar do mesmo jeito, sacô? O barato ali era ver os caras chegando e acreditando que o lance pode rolar. E que, mesmo sem apoio de vereador e o escambau, eles tem uma saída.

Aí que você pode, comodamente, da poltrona da tua casa, achar que tá tudo fudido. Que “a cena” pras bandas underground tá mó panela. Que aquele “produtor” não topou colocar sua banda no tal festival hipado só porque você não tem contatos, etc, etc, etc. E aí você vai virando aquele cara rancoroso e desiludido. Triste. Mas cair na estrada, encarar roubada, dar a cara pra bater, isso talvez você não faça. Mas é porque sua pegada é outra, né? Então tá.

E lá no Cicas também tocaram mais dois hermanos. Ligaram os instrumentos, disseram “Hola” e mandaram ver. Vieram lá da Argentina. Não, não é logo ali. Tem que ter a moral, sim senhor.

De Taubaté veio o Seamus. Haviam tocado em Mogi no sábado. Voltaram pra Taubaté de madrugada. No final da tarde, de volta pra São Paulo. E não foi pra tocar em lugar descolado. Foi pra tocar no Parque Edu Chaves. Em um lugar que tinha gato pra conseguir luz. E que, ao invés de uísquezinho pras sub-celebrities, teve pipoca e suco. Comprometimento. Sacô? O mesmo Seamus que agiliza um festival lá em Pindamonhangaba – sabe onde é? Pra você ver...

Então, só pra não alongar mais o argumento, é disso que estamos falando. De gente que vai sair dessa vida com um sorrisão na cara e dizendo: “Pronto. Fiz minha parte. Curti. Aproveitei. Me fodi. Fiz tudo errado. Depois acertei. Errei de novo. Acertei mais uma. E não me arrependo de porranenhuma.”

E é isso. A gente, sinceramente, não sabe como agradecer a tudo que esses elementos do Sinfonia de Cães já fizeram. E não por nós, mas por toda mundo que eles já ajudaram.

Um dia eu ainda vou contar pra eles sobre uma imagem que tenho sempre na mente. Um sonho talvez, sei lá, não lembro direito. É algo que tem a ver com lutar por uma causa, saca? Meio que viver - e morrer também - por algo. E é sério, parece karma, mas a gente sempre tá no mesmo lado da briga. Puta cena bonita de se ver...

Sei não, mas, se existe, acho que em outra vida a gente quebrou muita estrutura junto. E pelo jeito essa nossa história ainda tá cheia de muros pra derrubar.

Tâmozaí.

“...Contra a corrente desde sempre, baby...
E contra os abutres que devoram devagar...
Tolice pode ser, mas é assim que eu sei lutar...”

[Diário de Bordo do La Carne - http://www.lacarne.com.br ]

Ed Motta x Álvaro Pereira Júnior no Altas Horas

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